É bastante conhecida a perspectiva do filósofo René Descartes (1596-1650) de que os animais não humanos não teriam nenhum tipo de consciência. Semelhantes à máquinas, seriam incapazes de experimentar dor, medo, alegria, desejos etc. Se estivesse correta, essa perspectiva justificaria a negação de qualquer direito aos animais não humanos - afinal, não acreditamos que máquinas têm direitos. E, de fato, a teoria de Descartes funcionou em larga medida como justificativa filosófica para práticas cruéis de exploração animal, como a vivissecção.
A concepção do filósofo, porém, nunca foi aceitável e, com o avanço das ciências e do nosso conhecimento, ela se tornou completamente anticientífica. Hoje, dizer que animais não humanos são incapazes de sentir é como dizer que a terra é plana. Um dos mais importantes documentos científicos sobre o tema é a Declaração de Cambridge sobre a consciência animal.
Para além dos exaustivos argumentos científicos contra a perspectiva de Descartes, há também argumentos filosóficos. É neste âmbito que se encontra o texto compartilhado abaixo, de autoria do filósofo Tom Regan (1938-2017), um dos mais conhecidos teóricos dos direitos animais.
POR TOM REGAN
"Os animais não têm consciência de nada."
O filósofo francês René Descartes (1596-1650) é famoso pelo seguinte ensinamento. Ele argumenta que seres humanos têm mentes que são imateriais e corpos que são materiais. Em contraste, os outros animais só têm corpos; eles não têm mentes. Para Descartes, os animais não são conscientes de nada. Coloque um cachorrinho no fogo. Arranque a pele de uma foca viva. Nenhum deles sente nada. Os animais do mundo são desprovidos de mentes da mesma forma que o coelho da pilha Energizer.
Seria um alívio dizer que os filósofos abandonaram o cartesianismo às traças. Infelizmente, isso não é verdade. Mesmo hoje em dia existem professores de filosofia que endossam alegremente a idéia de que todos os "brutos" são desprovidos de mentes. E qual seu argumento? Não varia: os animais não são conscientes de nada porque eles não podem dizer nada. Ou (para ser mais preciso) os animais não têm consciência de nada porque lhes falta a habilidade de usar uma linguagem, como o inglês ou o português.
Alguns defensores dos direitos animais respondem a essa objeção lembrando o aparente sucesso de alguns animais (chimpanzés, por exemplo) em aprender a se comunicar usando a Língua Americana de Sinais, para surdos. Embora uma resposta desse tipo seja relevante, concede demais. É só refletir: é óbvio que ter consciência do mundo não depende de ter habilidade para usar alguma linguagem.
Pense em como ensinamos as crianças a falar. Apontamos para vários objetos e pronunciamos seus nomes. Seguramos uma bola e dizemos: "Bola". Apontamos para o cão e dizemos: "Cão". E assim por diante. Se ter consciência do mundo fosse impossível para quem não fosse capaz de usar uma linguagem, as crianças jamais aprenderiam a falar. Por quê? Porque para aprender a falar, elas precisam primeiro estar conscientes daquilo que dizemos ("bola") e daquilo para que apontamos (a bola). Em outras palavras, as crianças têm de estar pré-verbalmente - e, portanto, não verbalmente - conscientes do mundo, antes de aprenderem a usar um idioma; se não fosse assim, elas nunca poderiam aprender a usar um. Entretanto, uma vez que reconhecemos a consciência não verbal nas crianças, o mesmo tipo de consciência não pode ser sumariamente negado aos animais. A objeção cartesiana não se sustenta.
SAIBA MAIS
O texto acima, escrito por Tom Regan, foi retirado de sua obra Jaulas vazias, p. 81-82. Ao leitor ou leitora interessada, o livro está disponível em pdf em nossa biblioteca virtual. Para quem quiser saber mais sobre a argumentação filosófica de Regan em defesa dos direitos animais, poderá acessar nosso texto sobre o assunto clicando aqui.
0 comentários:
Postar um comentário
Deixe seu comentário