Um blog sobre as bases filosóficas do veganismo

terça-feira, 7 de abril de 2020

Considerações acerca do desenho "sua dieta vegana não é livre de crueldade" (Respondendo objeções #6)

À esquerda, desenho diz "sua dieta vegana não é livre de crueldade". À direita, um desenho resposta diz: "sua dieta onívora é excessivamente cruel".

O desenho à esquerda (que diz “sua dieta vegana não é livre de crueldade”) foi feito como uma crítica ao veganismo. Ele não deve, penso, ser ignorado. Muitos produtos, por exemplo, recebem o selo “cruelty-free” para indicar que não são testados em animais. Porém, há outras formas de crueldade em cadeias de produção e tais produtos podem não estar isentos delas. No caso da agricultura, um relatório de 2019 da Oxfam Brasil denunciou que há muito sofrimento humano em setores da produção de frutas que são comercializadas em grandes redes de supermercados, como o Carrefour e Big. O movimento vegano deve estar atento para essas questões e ser interseccional, isto é, levar em consideração outros tipos de opressões estruturais da sociedade, tal como as de classe, raça e gênero.

Os limites da crítica válida, porém, é que ela deve pressupor o próprio veganismo, tendo por objetivo apenas a consciência vegana. Se o objetivo for deslegitimar o veganismo, então ela não funciona e o desenho à direita (que diz “sua dieta onívora é excessivamente cruel”) é uma resposta adequada. Primeiro, porque se é verdade que setores da agricultura exploram seres humanos, é igualmente verdade que há uma dupla (e portanto maior) exploração na agricultura animal: a de seres humanos e não humanos. Segundo, porque há um tendência de que haja mais exploração dos próprios seres humanos na indústria de criação animal do que em outros setores. Para citar um exemplo importante: nas últimas duas décadas no Brasil, a pecuária é a atividade econômica líder em casos de trabalhadores resgatados em situações análogas à escravidão. Há outros casos relacionados, tal como os impactos sociais do desmatamento para pastagens ou plantação de soja que vira ração animal, e deixarei textos abaixo que abordam o tema.

Mas há ainda algo de intrínseco na situação dos trabalhadores que lidam com o abate de animais e que é destacado na análise feita por Carol J. Adams em seu célebre livro A política sexual da carne:

“Uma das coisas básicas que precisam acontecer na linha de desmontagem de um matadouro é que o animal deve ser tratado como um objeto inerte, e não como um ser vivo, que respira. Do mesmo modo o trabalhador na linha de montagem é tratado como um objeto inerte, que não pensa, cujas necessidades criativas, corporais e emocionais são ignoradas. Mais que quaisquer outros, esses trabalhadores da linha de desmontagem dos matadouros têm de aceitar a dupla aniquilação do eu: precisam não só negar sua pessoa como também aceitar a ausência cultural da referência dos animais. Precisam ver o animal vivo como a carne que todos lá fora aceitam que ele é, embora o animal ainda esteja vivo. Assim, eles precisam ser alienados do seu próprio corpo e também do corpo dos animais.”

Em suma, o desenho suscita uma crítica válida e outra inválida ao movimento vegano. Ele é válido na medida em que urge o movimento vegano a atentar para as opressões humanas e para a necessidade das diferentes lutas por um mundo verdadeiramente justo. Mas, repetindo, é inválida quando utilizada para deslegitimar o veganismo.

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Textos:
Texto do Veganagente sobre relações entre a exploração animal de animais não humanos e humanos:
Vegpedia: a relação entre a pecuária e o trabalho escravo no Brasil:
Relatório Oxfam Brasil. Frutas doces, vidas amargas: 
Livro “A política sexual da carne” disponível em pdf na biblioteca virtual do nosso blog:


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Este blog visa contribuir para a divulgação não acadêmica de conteúdos filosóficos relevantes em prol do movimento vegano pelos direitos animais.

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