Animais não humanos possuem status moral? Em outras palavras, eles têm direitos morais de algum tipo? O “argumento dos casos marginais”, como foi mais frequentemente chamado na literatura filosófica, é um dos fortes argumentos que podem ser usados na defesa de uma resposta positiva para a questão. O argumento cria um sério problema para todos aqueles que pretendam defender que apenas seres humanos têm determinados direitos morais, sejam quais forem esses direitos. Mais do que isso, o argumento demonstra que qualquer tentativa de considerar os seres humanos como moralmente superiores tem de recorrer, no fim das contas, ao especismo, isto é, uma discriminação arbitrária baseada unicamente na espécie. Como, então, funciona esse argumento? O texto a seguir, de autoria da filósofa Julia Tanner, explica.
Por Julia Tanner
É de grande importância saber se os animais têm status moral. Se os animais têm status moral, talvez seja errado usá-los como atualmente fazemos - caçando, criando gado, comendo-os e fazendo experimentos com eles. O argumento dos casos marginais nos oferece uma razão para pensar que alguns animais têm status moral igual aos dos seres humanos “marginais”.
Muitos daqueles que negam que os animais têm status moral argumentam que o status moral depende de uma função racional ou da capacidade de usar a linguagem ou alguma outra capacidade/capacidades que apenas os seres humanos têm. Como há muitas dessas capacidades, usarei a capacidade X para representar todas elas.
Mas sujeitar o status moral a X (função racional ou qualquer outra capacidade que seja típica dos seres humanos adultos normais) é problemático. Nem todos os seres humanos têm X (nem todos os seres humanos são seres humanos adultos e normais). Há alguns seres humanos, conhecidos como seres humanos marginais, que não têm (ou não têm plenamente) X. Esses seres humanos são chamados de “casos marginais” porque são atípicos, uma vez que não têm a capacidade essencial X. De maneira geral, há três tipos de seres humanos marginais: pré-X (ainda têm que adquirir X, como as crianças); pós-X (perderam X devido a doenças, acidente ou velhice); e não X (não têm, nunca tiveram e nunca terão X).
Aqueles que argumentam que o status moral depende de X enfrentam, portanto, um dilema. Ou admitem que os seres humanos marginais carecem de status moral porque lhes falta X, ou devem reconhecer que o status moral depende de alguma outra coisa, e não de X (chamarei esta de “Z”). Mas alguns animais também têm Z. Assim, é preciso reconhecer que esses animais também (com Z) têm status moral. Este é o argumento dos casos marginais.
O argumento dos casos marginais tem raízes na antiga Grécia. Porfírio foi quem primeiro o formulou. Mas o termo “argumento dos casos marginais” foi cunhado em época mais recente por Narveson (um oponente do argumento).
[...]
Assim, podemos formalizar o argumento do seguinte modo:
Premissa 1: Se não há diferenças moralmente relevantes entre seres humanos marginais e alguns animais não humanos, então, se os seres humanos marginais têm status moral, alguns animais não humanos também o têm.
Premissa 2: Não há nenhuma diferença moralmente relevante entre seres humanos marginais e alguns animais não humanos.
Conclusão 1: Se os seres humanos marginais têm status moral, então alguns animais não humanos também o têm.
Premissa 3: Os seres humanos marginais têm status moral.
Conclusão 2: Alguns animais não humanos têm status moral.
SAIBA MAIS
O texto acima é de autoria da filósofa Julia Tanner, PhD em Filosofia pela Universidade de Durham, Reino Unido, e foi publicado como um capítulo do livro Os 100 argumentos mais importantes da Filosofia Ocidental.
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