Um blog sobre as bases filosóficas do veganismo

sexta-feira, 31 de julho de 2020

Evelyn Pluhar: o mais importante argumento filosófico contra a experimentação animal


Imagem: animal ethics
Imagem: Animal ethics

O uso de animais não humanos em testes e experimentos das mais diversas áreas ainda é uma prática comum no Brasil e no mundo. Testes nas indústrias de cosméticos, produtos de limpeza, fármacos, pesquisas em laboratórios e universidades etc. Muitos destes experimentos envolvem algum grau de sofrimento aos animais utilizados como cobaias, bem como a sua morte ao fim do processo.


Quando a discussão é a legitimidade moral da experimentação animal, uma das posições mais difundidas (talvez a maior delas) é a de que se trata de um mal necessário. “Bem”, dizem os defensores dessa ideia, “é uma pena que ainda precisamos utilizar animais em experimentos, mas é pelo bem maior”. O conhecido “princípio dos 3 R’s” reflete essa concepção, segundo o qual devemos reduzir os animais utilizados, substituí-los sempre que possível por métodos alternativos e minimizar a dor e os danos aos animais utilizados (reduction, replacement e refinement, em inglês). Ou seja, essa justificativa para a experimentação animal reconhece que os animais importam moralmente, mas alega que um cálculo de custos e benefícios justifica a prática.


No entanto, essas pessoas não aceitam o mesmo argumento quando consideram a possibilidade do uso de seres humanos para os experimentos em questão. Nesse caso, a lógica dos custos e benefícios é logo abandonada. Esse posicionamento revela uma concepção moral que foi melhor resumida pelo filósofo Robert Nozick como “utilitarismo para os animais, kantismo para as pessoas”. Em outras palavras, é assumida aqui uma barreira moral entre seres humanos (portadores de direitos fundamentais) e animais não humanos (que até importam moralmente, mas em nível menor e podem ser utilizados como meios).


Mas será que essa barreira moral pode ser filosoficamente defendida e daí extrair a justificativa para experimentos em animais não humanos? A primeira coisa a se dizer é que mesmo se aceitássemos esse tipo de justificativa, não é verdade que a maioria dos testes conduzidos em animais trazem mais benefícios do que danos causados, mas deixemos isso de lado aqui. Tratemos de explorar o argumento apresentado pela filósofa estadunidense Evelyn Pluhar que, acredito, é o mais importante e poderoso argumento contra a experimentação animal.


Contra a noção de “barreira moral” entre seres humanos e o restante da natureza animal, Pluhar recorre tão somente ao princípio da coerência moral, segundo o qual seres semelhantes nos aspectos moralmente relevantes, devem ter direitos semelhantes. Assim, se acreditamos que todos os seres humanos possuem o direito de não serem usados em experimentos que vão contra seus interesses, precisamos fornecer uma justificativa (uma dessemelhança moralmente relevante entre seres humanos e animais não humanos) que explique porque temos esse direito e os demais animais não.


Naturalmente, a primeira diferença entre seres humanos e animais não humanos que pode ser indicada é a espécie. No entanto, tomar a espécie como moralmente relevante é arbitrário e especista. O especismo consiste em deixar de levar em consideração os interesses de um indivíduo simplesmente por ele não pertencer a nossa espécie.


Pode-se dizer que somente seres humanos são agentes morais, isto é, somente seres humanos são capazes de agir com responsabilidade moral e respeitar deliberadamente os direitos de outrem. No entanto, não é verdade que todos os seres humanos possuem essa característica: bebês e crianças, por exemplo, não são agentes morais, bem como pessoas que por alguma doença ou acidente não desenvolvem essa capacidade. Podemos chamar esses seres humanos  de pacientes morais, porque eles são dignos de consideração e de direitos morais ainda que não possuam agência moral.


O ponto central aqui é que se seres humanos pacientes morais possuem o direito à integridade física, então isso significa que esse direito não depende da capacidade de agência moral (como explica a filósofa Julia Tanner em um outro texto compartilhado aqui no blog, o mesmo se aplica a qualquer outra característica que se queira apresentar como moralmente relevante). E o direito à integridade física impede que sejam utilizados em experimentos que o violam.


Agora o argumento de Pluhar pode ser formalizado do seguinte modo:


Premissa 1: Seres similares em todos os aspectos relevantes (por exemplo, em seus atributos e capacidades) têm o mesmo grau de significância moral (direitos morais similares).

Premissa 2: Existem não humanos que são semelhantes em todos os aspectos relevantes aos humanos pacientes morais.

Premissa 3: Seres humanos pacientes morais são totalmente moralmente significativos; isto é, seria prima facie errado prejudicá-los gravemente ou matá-los.

Conclusão: Portanto, os animais não humanos que são semelhantes em aspectos relevantes aos seres humanos pacientes morais também são totalmente moralmente significativos, possuindo direitos similares.


Desse modo, se os seres humanos pacientes morais devem possuir o direito a não serem envolvidos em experimentos que vão contra os seus próprios interesses, então todos os animais sencientes (que são semelhantes em todos os aspectos que possam ser moralmente relevantes) devem ter o mesmo direito. E o mais importante: conforme ressalta a filósofa, isso não é nada mais que um apelo à consistência moral. Se você acha errado envolver quaisquer seres humanos em experimentos que violam a integridade física, é uma questão de coerência moral que isso também seja estendido aos animais não humanos.


Assim chegamos ao princípio defendido pela filósofa Evelyn Pluhar: é errado conduzir qualquer experimento com um não humano senciente que consideraríamos imoral se fosse realizado em um ser humano.


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SAIBA MAIS

O texto acima foi escrito com base no argumento desenvolvido pela filósofa Evelyn Pluhar em seu artigo “Experimentation on humans and nonhumans” (2006). Pluhar também é autora do livro Beyond prejudice: the moral significance of human and nonhuman animals (1995).


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Este blog visa contribuir para a divulgação não acadêmica de conteúdos filosóficos relevantes em prol do movimento vegano pelos direitos animais.

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