Um blog sobre as bases filosóficas do veganismo

terça-feira, 29 de outubro de 2019

Mas... os animais não comem outros animais? Respondendo objeções #3



Seguindo nossa série de postagens dedicadas a apresentar respostas para objeções comuns ao veganismo, tratamos hoje daquela segundo a qual estamos legitimados a comer animais, pois outros animais também comem animais. Com isso se quer dizer que a morte para alimentação é algo natural, ou seja, que simplesmente "faz parte da natureza". Desse modo, dizem, não haveria nada de errado nessa prática. Será que esse é um bom argumento? Trecho do filósofo Peter Singer, retirado da obra Libertação animal, responde a essa objeção.

Por Peter Singer

A natureza dos não humanos serve de base para outras tentativas de justificar o tratamento que lhes conferimos. Afirma-se com frequência, como objeção ao vegetarianismo, que se outros animais matam para se alimentar, também podemos fazê-lo. Essa analogia já era antiga em 1785, quando William Paley a refutou, referindo-se ao fato de que, embora os seres humanos possam viver sem matar, outros animais não têm escolha se quiserem sobreviver. Isso é verdadeiro na maioria dos casos, mas é possível apontar algumas poucas exceções: animais que conseguem sobreviver sem carne, mas que a comem ocasionalmente (chimpanzés, por exemplo). Contudo, não são essas as espécies servidas habitualmente à mesa de jantar. O fato de que outros animais, que poderiam viver com uma dieta vegetariana, às vezes matem por comida não serve de apoio para a alegação de que é moralmente defensável que façamos o mesmo. É estranho como os seres humanos, que se consideram muito superiores a outros animais, recorram, quando se trata de legitimar suas preferências alimentares, a um argumento que implica olhar para os animais a fim de encontrar inspiração e orientação moral. A questão, claro, é que os não humanos são incapazes de avaliar as alternativas, ou de refletir moralmente sobre a correção ou a incorreção de matar para comer. Podemos lamentar que o mundo seja assim, mas não faz sentido responsabilizar ou culpar os animais por isso. Por outro lado, cada leitor deste [texto] é capaz de fazer uma escolha moral sobre esse assunto. Não podemos fugir da responsabilidade por nossas escolhas, imitando a ação de seres incapazes de fazer esse tipo de escolha. 
[...]
Talvez a alegação seja de outra ordem. Como vimos, lorde Chesterfield usou o fato de que os animais comem uns aos outros para argumentar que fazê-lo é parte da “ordem geral da natureza”. Ele só não indicou por que deveríamos imaginar que nossa natureza se parece mais com a do tigre carnívoro do que com a do gorila vegetariano, ou com a do praticamente vegetariano chimpanzé. Mas, à parte essa objeção, temos de nos precaver, na argumentação ética, contra apelos à “natureza”. A natureza pode, muito frequentemente, ser “sábia”, mas temos de usar o próprio juízo para decidir quando segui-la. Até onde sei, a guerra é “natural” entre os homens - certamente parece ter sido uma preocupação de muitas sociedades, em diferentes circunstâncias, durante um longo período histórico -, mas não tenho a intenção de fazer guerra para ter certeza de que ajo de acordo com a natureza. Temos a capacidade de raciocinar sobre o que é melhor fazer. Deveríamos colocar essa capacidade em prática (e, caso você goste de apelos à “natureza”, pode dizer que raciocinar nos é natural).


SAIBA MAIS
O texto acima é de autoria do filósofo Peter Singer e foi retirado de sua obra Libertação animal. Esta é uma obra filosófica que denuncia o especismo e defende a igual consideração moral para os animais não humanos. Ao leitor ou leitora interessada, o livro pode ser acessado na versão pdf em nossa biblioteca virtual. Para isso, clique aqui.
Share:

0 comentários:

Postar um comentário

Deixe seu comentário

Sobre

Este blog visa contribuir para a divulgação não acadêmica de conteúdos filosóficos relevantes em prol do movimento vegano pelos direitos animais.

Siga-nos no facebook