Todo vegetariano já ouviu (pelo menos uma dúzia de vezes) a indagação "mas e as plantas?". Enquanto objeção, consiste na alegação de que se concedemos consideração moral para os animais não-humanos, também deveríamos concedê-la às plantas. Há algum sentido nessa objeção? Este texto de Gary Francione e Anna Charlton responde.
Por Gary Francione e Anna Charlton
A cena: estamos num jantar festivo. Estamos cuidando da nossa vida comendo nossa refeição vegana. Alguém pergunta por que não estamos comendo a carne e os laticínios que os outros convidados estão comendo. Eles perguntam se isso tem relação com a saúde. Dizemos, “Não, é sobre ética”. E, então, ouvimos quase que imediatamente, “Mas, e as plantas?”
Esse “Mas” frequentemente é combinado com o alimento de origem vegetal em particular que estamos comendo, por exemplo: “E esses brócolis que você está comendo? Eles não sentiram dor quando foram cozidos?”
Próximo ao “Mas... e Hitler?”, esse é o “Mas” mais infundado de todos.
Ninguém realmente acha que as plantas são iguais aos animais. Se alguém comesse seu tomate e seu cão, ninguém consideraria esses dois atos semelhantes.
Vamos ser claros aqui: não há evidência científica de que as plantas pensam ou exibem qualquer tipo de atividade mental para que possamos dizer que as plantas têm interesses. Não há evidência científica de que as plantas têm qualquer tipo de mente que prefere, ou deseja, ou quer alguma coisa. Não há evidência científica de que jogar os brócolis em água fervente é, de qualquer forma relevante, igual a abater uma vaca, um porco ou uma galinha, ou jogar uma lagosta viva em água fervente.
Poderíamos apresentar uma discussão sobre botânica aqui, mas isso não é, na verdade, necessário, porque ninguém efetivamente sustenta que as plantas são sencientes e possam experienciar dor, ou que elas tenham consciência perceptiva sobre qualquer coisa. A preocupação com as plantas começou em 1973, quando um jornalista e escritor, que focava em ciência alternativa, escreveu The Secret Life of Plants (A vida secreta das plantas), baseado nos experimentos desacreditados de Cleve Backster, entre outros. Backster era originalmente um perito em interrogatório da Agência Central de Inteligência (Central Intelligence Agency) e, em 1968, publicou suas pesquisas no International Journal of Parapsychology, afirmando que as plantas tinham pensamentos e emoções e podiam ler a mente humana.
Mas espere. No seu livro escrito em 2012, What a Plant knows: A Field Guide to the Senses, o cientista da Universidade de Tel Aviv, Daniel Chamovitz, relata que as plantas podem ver, sentir cheiro, pensar e sentir. Ele é um cientista reconhecido e parece dizer que estamos errados, certo?
Errado. A revista Scientific American entrevistou Chamovitz e perguntou a ele à queima roupa: “Você diria, então, que as plantas ‘pensam’?” Chamovitz respondeu: “Não, eu não diria isso”. Ele adicionou: “Da mesma forma que uma planta não pode sofrer uma dor subjetiva por causa da ausência de um cérebro, eu também não acho que ela pense”.
Chamovitz e pessoas como o filósofo Michael Marder – que, em seu livro publicado em 2013, Plant-Thinking: A Philosophy of Vegetal Life, defende “a ética das plantas” – apontam exemplos em que plantas reagem a estímulos. Ninguém duvida que elas reajam. Elas estão vivas. Elas realizam várias atividades, algumas das quais são muito complexas, em nível celular. Mas elas não realizem nada em nível cognitivo ou de consciência porque elas carecem inteiramente de consciência e cognição.
As plantas reagem; elas não respondem.
A planta virará na direção do sol? Claro. Ela também fará isso mesmo que, virando nessa direção, ela seja cortada? Claro. Algum animal se comporta dessa forma? Não. Os animais respondem; as plantas reagem.
Uma campainha reagirá se houver eletricidade sendo conduzida através do fio ao qual está conectada. Isso significa que a campainha está respondendo? Não. Isso significa que a campainha é consciente? Senciente? Não, claro que não. As campainhas reagem; as plantas reagem. Nem estão conscientes; nem são sencientes; nem respondem a nada. Elas não são tipos de coisas que podem responder; elas são somente tipos de coisas que podem reagir. Na verdade, elas são coisas.
Uma prova contundente nesse contexto é que aqueles que defendem a “ética das plantas”, quando confrontados com o fato incontestável de que as plantas não são sencientes, começam a afirmar que, embora não sejam sencientes, elas são – usando uma expressão que Marder empregou num debate que tivemos com ele, patrocinado pela Columbia University Press – capazes de “intencionalidade não consciente”.
“Intencionalidade não consciente.” O que será que isso significa? Como alguém pode ter a intenção de fazer algo de um modo não consciente? A consciência não é necessária para se ter intenção? As plantas realizam atividades que geram certos resultados? Sim. Mas falar sobre “intencionalidade” nesse contexto é incorrer em petição de princípio. Nesse exato momento, há inúmeros processos biológicos acontecendo em nossos corpos. Esperamos que esses processos sejam conduzidos para certos fins, por exemplo, a renovação celular, e não para outros fins, por exemplo, a formação de tumores. Mas podemos falar sobre a “intencionalidade” das células cancerígenas? Apenas se incorrermos em petição de princípio e aceitarmos que as reações celulares têm um componente cognitivo. Poderíamos dizer que as partículas eletricamente carregadas que percorrem o fio estão com a intenção não consciente de fazer a campainha tocar. Isso seria absurdo, mas não mais absurdo do que dizer que uma planta carnívora, não conscientemente, tem a intenção de fechar suas “mandíbulas” numa mosca.
Os defensores da “ética das plantas” argumentam, com frequência, que simplesmente não podemos dizer se as plantas são sencientes. Elas talvez sejam sencientes de uma forma que não podemos reconhecer ainda. Nós não sabemos. Por exemplo, embora Chamovitz reconheça que as plantas não podem pensar, ele adiciona: “mas talvez seja aí que eu ainda esteja limitado em meu próprio pensamento!” Há três respostas simples aqui.
Primeiro, você poderia dizer a mesma coisa sobre qualquer assunto. Você poderia, por exemplo, afirmar que não podemos realmente saber se uma folha de grama é Einstein reencarnado. Pode muito bem ser Einstein; nós somente ainda não temos as ferramentas para reconhecer que é ele. Fazer afirmações absurdas e dizer que talvez não sejam absurdas porque é possível que elas não sejam absurdas é um esforço absurdo.
Segundo, a menos que queira ignorar o princípio da evolução, você precisaria explicar por que as plantas desenvolveriam uma característica que seria completamente inútil para elas. Se as plantas pudessem sentir dor, não há nada que poderiam fazer, exceto sofrer aquela dor. As plantas não podem fugir.
Terceiro, mesmo que, ao contrário de tudo o que sabemos, as plantas fossem sencientes, ainda matamos mais plantas quando consumimos animais do que quando consumimos as plantas diretamente. Então, quando uma pessoa que está comendo um bife de quase meio quilo pergunta a você sobre as plantas que está comendo, você pode lembrá-la de que a vaca da qual foi retirado o bife foi uma vez um mamífero senciente que tinha sistema nervoso muito parecido com o nosso e que, inquestionavelmente, era senciente. Para produzir o bife de meio quilo, cerca de 8 quilos de proteína de plantas foram necessários. Então, temos
um mamífero senciente que morreu juntamente com 8 quilos de plantas supostamente sencientes.
Assim, mesmo que as plantas fossem sencientes, a pessoa que está comendo o bife e a pessoa que está comendo alimentos vegetais diretamente estão participando de atos diferentes, e o ato de quem está comendo bife é muito pior. Portanto, se a pessoa que está comendo o bife tivesse realmente uma preocupação moral com as plantas, ou com o sofrimento de seres sencientes em geral, ela estaria consumindo as plantas diretamente.
Embora a preocupação com a senciência das plantas seja absurda, esse “Mas”, como o “Mas... e Hitler?”, é uma indicação de que a pessoa com quem você está falando reconhece que há algo de errado, ou pelo menos questionável, sobre o consumo de alimentos de origem animal. Da mesma forma que ninguém realmente acha que o regime alimentar de Hitler é relevante para qualquer coisa, ninguém realmente acha que os brócolis sofreram quando foram cortados ou fervidos. E, assim como “Mas... e Hitler?”, “Mas... e as plantas?” é um “Mas” que, apesar de sua superficialidade, é, mesmo assim, frequentemente usado por pessoas inteligentes. De qualquer forma, o fato de que alguém está oferecendo um “Mas”, particularmente um “Mas” muito tolo como esse, pode ser uma forte indicação de que a pessoa está inquieta e está incomodada em consumir alimentos de origem animal.
SAIBA MAIS
O trecho acima foi retirado da obra Coma com consciência: uma análise sobre a moralidade do consumo de animais, de autoria de Gary Francione e Anna Charlton. Ao leitor interessado, esse livro está disponível em nossa Biblioteca virtual. Para acessar, clique aqui.
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