Um blog sobre as bases filosóficas do veganismo

quinta-feira, 9 de julho de 2020

O veganismo pode, por si só, acabar com a fome?



Não raramente nos deparamos em meios veganos com a afirmação segundo a qual se todo mundo se tornasse vegano, isso por si só resolveria o problema da fome que ainda atinge uma larga parcela da população humana ao redor do globo. Essa ideia é sustentada por um raciocínio que não é de todo equivocado: se a produção de alimentos hoje destinada a alimentar dezenas de bilhões de animais fosse redirecionada para alimentar diretamente os seres humanos, parece que resolveríamos o problema. O argumento se apresenta de modo contundente. Eu mesmo, quando me tornei vegetariano há sete anos, fui impactado por ele. 


Acontece, porém, que quando compreendemos um pouco melhor como funciona a engrenagem de um sistema que produz alimentação para gerar lucro e não para suprir nossas necessidades básicas, percebemos que a crença de que o veganismo, por si só, seria suficiente para resolver o problema da fome no mundo se revela, no melhor dos casos, ingênua. Compreender isso é fundamental para entendermos que, embora o veganismo seja sim um requisito fundamental para um sistema de produção de alimentos mais justo e eficaz, é necessário a aliança com outras pautas para a resolução de problemas graves como a subnutrição humana. O texto a seguir, de Brian Dominick, explora essa questão.


POR

BRIAN DOMINICK


Muitas pessoas que se auto proclamam veganos e activistas pelos direitos dos animais, na minha perspectiva, têm pouco ou nenhum conhecimento sobre ciência social; e muitas vezes o que eles “sabem” sobre as relações entre sociedade e natureza não-humana está cheio de falsos conceitos. Por exemplo, não é com pouca frequência que se ouve veganos argumentar que é o consumo de comida de origem animal que provoca a fome no mundo. Afinal de contas, mais de 80% de cereais colhidos nos EUA vai para alimentar o gado, e tal seria mais do que suficiente para alimentar a fome que há no mundo. Parece lógico concluir, então, que o fim do consumo de animais nos EUA resultaria na alimentação de pessoas necessitadas noutros lugares.


Mas tal é totalmente falso! Se os norte americanos parassem de comer carne no próximo ano, seria pouco provável que uma única pessoa que esteja a sofrer de subnutrição fosse alimentada com cereais frescos do solo americano. Isto porque o problema da fome mundial, como o problema do excesso de população, não é nada do que parece. Estes problemas têm a sua raiz na disponibilidade de recursos. As elites requerem escassez – um fornecimento apertadamente restringido de recursos – por duas razões principais. Em primeiro lugar, o valor de mercado das mercadorias desce decisivamente com a subida dos fornecimentos. Se os cereais que agora alimentam o stock de comida de origem animal, fossem de repente postos a disposição, tal alteração faria baixar drasticamente os preços dos cereais, minando a margem de lucro. Assim, as elites que possuem investimentos no mercado da agricultura de cereais, têm interesses directamente correspondentes aos das elites que gerem parte do mercado da agricultura animal. Os vegetarianos tendem a pensar que os agricultores de cereais e vegetais são benignos, enquanto os agricultores envolvidos na exploração animal são vilões. No entanto, o facto é que os vegetais são um bem, e aqueles com interesses financeiros na indústria vegetal não querem disponibilizar o seu produto, se tal significar produzir mais para obter ainda menos lucro.


Em segundo lugar, existe o facto da distribuição de comida, a nível nacional e internacional, ser uma ferramenta política. Governos e organizações económicas internacionais, manipulam cuidadosamente os fornecimentos de água e comida de forma a controlarem países inteiros. Há alturas em que a comida é impedida de chegar a pessoas esfomeadas, de forma a estas permanecerem dóceis e fracas. Noutras alturas, um fornecimento gratuito de comida faz parte

duma estratégia para apaziguar a população agitada à beira de uma revolta.


Sabendo tudo isto torna-se razoável assumir que o governo americano, tão apertadamente controlado por interesses privados, apoiaria a não produção de cereais, de forma a salvar a indústria de um possível colapso. Facilmente se pagaria aos agricultores para não produzirem cereais, ou mesmo para destruírem as suas colheitas. Não é suficiente boicotar a indústria de carne e esperar que os recursos sejam redistribuídos para alimentar os necessitados. Temos de estabelecer um sistema que realmente tencione ir de encontro às necessidades humanas, o que implica uma revolução social.


Esta é só uma das muitas ligações entre a exploração animal e a exploração humana, mas ilustra bem a necessidade de uma revolução total. Uma revolução nas relações entre humanos e animais foi focada cuidadosamente e é, de facto, apropriada à natureza da sociedade moderna. Uma das primeiras razões pelas quais os animais são explorados é porque é rentável. Os vegetarianos tendem a entender apenas esta razão. Mas a indústria da carne (incluindo produção de lacticínios e vivissecção) não é uma entidade isolada. A indústria da carne não será destruída enquanto o capitalismo de mercado não for destruído, por ser este último que providencia impulso e iniciativa ao agricultor. E para os capitalistas, a perspectiva de obter lucros fáceis a partir da exploração animal é irresistível.


O motivo do lucro não é o único factor social que encoraja à exploração animal. De facto, a economia é apenas uma das formas de relação social. Temos também a política, a cultura, as relações interpessoais, cada uma das quais pode ser demonstrada para influenciar a percepção de que os animais existem para uso dos humanos.


SAIBA MAIS

O texto acima foi retirado da obra Libertação animal e Revolução social, de Brian Dominick. O texto completo pode ser acessado através da nossa biblioteca virtual, clicando aqui.


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Sobre

Este blog visa contribuir para a divulgação não acadêmica de conteúdos filosóficos relevantes em prol do movimento vegano pelos direitos animais.

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